quinta-feira, 4 de julho de 2024

Pequenas memórias afetivas de um leitor de Tex Willer

 

Sou um colecionador de Tex, Zagor e Ken Parker, tenho pilhas de revistas na minha biblioteca (tudo desorganizadamente organizado). Ao lado dos romances do Jorge Amado e do Paulo Coelho, Tex talvez seja a leitura mais marcante de minha adolescência. Eu comecei a ler vorazmente o gibi por conta do meu irmão, João, que ainda hoje coleciona. Recentemente encontrei num sebo – todo sebo que se preze tem que ter uma estante de Tex – o livro TEX NO BRASIL – O grande herói do faroeste, de G. G. CARSAN. Comprei sem pestanejar. A obra, fruto de uma análise criteriosa, traz curiosidades, estatísticas, relatos de leitores, memórias do autor e uma infinidade de informações sobre o personagem.  
 
Tex é um gibi que sobrevive por suas muitas qualidades. Na minha opinião, uma das principais é que nas aventuras pulp de antigamente, sobretudo, quando ambientadas no velho oeste, um mecanismo para gerar suspense e interesse era colocar o herói em risco de vida. Risco sempre falso, pois ele precisa sobreviver no final. Tex abre mão desse trunfo. Os protagonistas (O ranger Kit Carson, o índio Jack Tigre e o filho Kit Willer – parceiros do Tex) quase nunca tomam um tiro – assim como o cavalo Dinamite. Desse modo a revista assumiu a premissa de que eles são “imortais” e não correm riscos sérios. Com essa restrição, ela precisa gerar interesse de outras formas – a engenhosidade, inteligência, ou a persistência de Tex, por exemplo. Algumas histórias são excepcionais com toques de ficção científica e literatura fantástica, e extrapolam a estética do faroeste. 
 

sábado, 29 de junho de 2024

Queria que soubesse que pensei em você

 
Acervo Quixeramobim Histórico

Toda vez que tenho em mãos uma fotografia de tempos distantes e a contemplo, vem-me um aperto no peito, algo semelhante a uma aflição. Ainda não sei definir muito bem que sensação é essa, se boa ou ruim. O que é a mistura entre o prazer e a angústia? Talvez seja isso, e então não precise definir.
 
Ao olhar a pessoa desconhecida naquela foto, de imediato, irrompe em minha mente um turbilhão de pensamentos sobre aquela vida que já não existe mais. Tudo ao mesmo tempo, como se fossem filmes simultâneos e em alta velocidade. São instantes de segundos. Preciso dizer que no pensamento o tempo é relativo.
 

sexta-feira, 31 de maio de 2024

A mística da Matriz de Quixeramobim

 
Arquivo Quixeramobim Histórico

O que me chama mais a atenção na Igreja Matriz de Quixeramobim é a sua cor. O conterrâneo doutor Antônio Monteiro de Moraes Nascimento disse certa vez, em artigo publicado no século passado no jornal O Povo, que ela tem uma “brancura mística”. Não discordo, do contrário, como explicar o arrepio que sinto toda vez que retorno à minha cidade e a contemplo? Sob o sol forte do sertão cearense, a igreja reflete um brilho majestoso indecifrável para mim.
 
Da alegria causada pelo encantamento ao vê-la, logo surge a tristeza de uma constatação ao olhar em volta. Por anos a modernidade tenta apagar o seu protagonismo. Muitos dos antigos casarões, que estiveram presentes ao seu lado durante tantos fatos importantes na cidade, já não existem mais, destruídos pelo progresso. Agora no seu entorno restam poucos daqueles velhos amigos. Fracos e pálidos, eles resistem bravamente. Novos prédios, quadrados e sem graça, surgem tentando sufocá-la. O mais recente e ousado foi um jovem herege chamado “casa de shows”, que teve a audácia de se colocar ao seu lado gritando com suas barulhentas caixas de sons. Que falta de respeito com as velhas paredes branquinhas da Matriz.
 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Vladmir Herzog e Canudos


 Por Bruno Paulino, escritor.

O bárbaro assassinato do jornalista Vladmir Herzog, no dia 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-Codi (São Paulo), segundo quase consenso dos historiadores é um marco significativo da derrocada da Ditadura Militar Brasileira, instaurada em 1964. A famosa fotografia estampada nos livros de história, da falsa cena montada para simular o suicídio de Vlado, após ser divulgada pelos militares, causou indignação e revolta na sociedade civil, inspirando acontecimentos como o culto ecumênico celebrado em memória do jornalista, na Igreja da Sé. Vlado havia sido detido para prestar depoimento acusado de ser militante comunista e, teria cometido suicídio na própria cela, segundo o Exército.

Sempre fui um curioso pela trajetória de Vladimir Herzorg, por isso li recentemente dois trabalhos sobre o tema: Meu querido Vlado: A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração do jornalista Paulo Markun e As duas guerras de Vlado Herzog, do também jornalista Audálio Dantas. E fiquei surpreso ao descobrir que ele foi a Canudos e que almejava gravar um filme-documentário sobre o tema. Segundo Paulo Markun no referido livro: “Vlado estava no sertão da Bahia em busca de cenários e sobreviventes da Guerra de Canudos, enquanto Marco Antônio Coelho enfrentava os interrogatórios. No açude Cocorobó, conversou com alguns remanescentes da epopeia, entre eles, a beata Lucinda, que aos 102 anos ainda tinha boa memória, como pré-produção de um Globo Repórter”.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Devaneios de uma distopia artística

 

Num futuro não tão distante, chegará o tempo da absoluta criação artística pelas máquinas, e assim será decretada a abolição completa da produção criativa humana. Consolidar-se-á o império artístico dos instrumentos autônomos. 
 
Nesse tempo dominado pela inteligência artificial, ilustrações, pinturas e desenhos serão feitos com perfeição geométrica hipnotizante. Literatura, filmes e séries disporão de gatilhos dopamínicos que não deixarão o sujeito piscar os olhos em frenesi. Músicas conterão ritmos tão bem concatenados por algoritmos, que elas não sairão das mentes dos ouvintes por dias a fio, mais parecendo um encantamento. Tudo isso fará com que qualquer tipo de trabalho artístico originado de um ser humano seja descartado e caia completamente na obsolescência. Nesse futuro próximo, as pessoas serão viciadas em algo que ainda é desconhecido da humanidade, a completa perfeição da produção artística.
 

sábado, 14 de outubro de 2023

Homenagem a Getúlio Câmara


Aos setenta e sete anos bem vividos, Getúlio Câmara, a voz eloquente do rádio do Sertão Central, está morto! Silêncio, Quixeramobim! Chora minha gente da cidade e dos distritos mais remotos, até onde chegavam as ondas da Rádio Difusora Cristal. Ao som da Meditation de Massenet, a voz grave de Getúlio silencia para sempre. As pessoas humildes que o procuravam para transmitir recados para parentes e amigos estão hoje, de certo modo, órfãs.

Getúlio herdou de seu pai Fenelon, não apenas os equipamentos da pioneira Rádio Cristal, sucessora da Difusora A Voz de Cristal. Herdou, sobretudo, o gosto pela profissão de radialista e o talento necessário para desempenhá-la com sucesso.

Nos últimos anos frequentei muitas vezes a Rádio Cristal. Ia direto para o estúdio de onde Getúlio acompanhava a programação e gravava os anúncios. Conversávamos a manhã inteira trocando ideias sobre a conjuntura nacional, mas o tema principal era a recordação de nosso tempo de criança. Ele era um ano mais novo que eu. Vivemos na mesma época. Sem dúvida, Getúlio conhecia a história de Quixeramobim como poucos. Melhor que eu que passei parte da minha infância e adolescência fora da minha terra. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Prefácio(?)


Não é um prefácio o que ora escrevo sobre essas páginas de Sandra Fontenelle, mas o registro de minhas breves impressões como leitor. Acho que escrever haikai é um desafio poético difícil, que exige habilidade do escriba, poder de síntese e a astúcia da observação, aliada com imensa paciência. É quase uma tarefa de eremita.

A poeta é uma menina-adulta, carregando no peito uma ruma de lembranças que certamente a acompanharão para sempre. Pergunto-me quanto tempo meditou para escrever cada haikai.

Sandra Fontenelle é uma vate inspirada e reinventa o sertão nos seus versos. Duas frases imediatamente me vêm à cabeça ao finalizar a leitura do livro: “O sertão está em toda parte”, como diria Guimarães Rosa, e “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, na força do verbo de Euclides da Cunha.  É o sertão e o sertanejo que emergem do livro. Porém não há fronteiras para a poesia. Ela toca o homem de diversas formas.