Dona Mundinha e Sr. Harding Arquivo: Quixeramobim Histórico |
Devido ao meu trabalho com
pesquisas e à tentativa de descobrir mais sobre o passado e a história de
Quixeramobim, já visitei uma quantidade significativa de pessoas e famílias.
Gente que me recebe em suas casas e abre suas portas para mostrar o que há de mais
preservado em suas intimidades. E isso é, de certa forma, um estranhamento.
Encontrar pessoas até então desconhecidas e, de repente, adentrar nas suas
melhores lembranças me fez refletir sobre os sentimentos que carregamos ao
longo da vida, em especial aqueles que resistem protegidos do esquecimento.
Mas o que é que elas me mostram,
afinal? Geralmente, após uma breve apresentação de quem sou e do meu trabalho,
a pessoa pede alguns minutinhos, desaparece por um cômodo mais afastado numa
caminhada esquecida e, em seguida, volta com uma caixa empoeirada, ou com uma
pasta amassada e já desbotada, que logo denuncia a sua antiguidade. Na mesa da
sala, ela vai espalhando os registros e começa a mostrar as fotografias, quase
sempre em preto e branco. Fotos da infância na calçada da casa que já não
existe mais, das férias com os primos que foram morar distante e nunca mais se
viram, ou da primeira comunhão com um padre que já morreu. Retratos de festas
de carnaval com fantasias são comuns. “Olha esse vestido, que lindo!”. Uma pose
do dia da formatura no colégio agora é difícil de ver por causa das manchas no
papel. Narra as histórias olhando para algum ponto no horizonte, com um leve
sorriso no rosto. Parece estar vivendo aquele prazer novamente. Ela sopra a poeira
da foto e limpa delicadamente com o dedo. O passado tão próximo.
Pesquisar histórias é ser imediatamente íntimo de desconhecidos de uma maneira tão singular que eles nos permitem alcançar suas lembranças mais bem guardadas, capazes de fazê-los contemplar uma parede branca do fundo de uma sala, imersos numa felicidade antiga. A conversa é interrompida por um gole de um bom café e uma gostosa fatia de bolo servidos. É uma ocasião especial. Então, a pessoa conta, apaixonada, como foi a convivência com o pai. O brilho no olhar que surge é desacostumado, mas radiante. Não tenho dificuldades para apreender aquele sentimento, pois ainda está vivo, estava só latente, mas o tempo, nenhum tempo, é capaz de modificá-lo. A gaveta não protege somente a foto antiga, mas mantém o amor imanente. Nessas conversas, eu tenho acesso a essas emoções, e isso é um privilégio.
Saio daquela casa e olho para trás antes de ir embora. Vejo-a diferente agora. Percebo que lá não mora somente aquela família que acabei de conhecer, mas habitam todas as pessoas que fizeram parte de suas vidas, vivas em suas memórias. Vou embora comovido pelas histórias contadas e com a convicção de que o Seu João, o senhorzinho da foto em preto e branco, foi o pai mais amado, o marido mais dedicado. Uma pessoa comum que está agora somente nas lembranças dos poucos familiares que restam. Contagiado, tenho a absoluta certeza de que a vida dele merece ser exposta num museu. Então, sim, eu preciso criar um museu de pessoas.
Por Eduardo Coutinho
Quixeramobim Histórico
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