quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Vladmir Herzog e Canudos


 Por Bruno Paulino, escritor.

O bárbaro assassinato do jornalista Vladmir Herzog, no dia 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-Codi (São Paulo), segundo quase consenso dos historiadores é um marco significativo da derrocada da Ditadura Militar Brasileira, instaurada em 1964. A famosa fotografia estampada nos livros de história, da falsa cena montada para simular o suicídio de Vlado, após ser divulgada pelos militares, causou indignação e revolta na sociedade civil, inspirando acontecimentos como o culto ecumênico celebrado em memória do jornalista, na Igreja da Sé. Vlado havia sido detido para prestar depoimento acusado de ser militante comunista e, teria cometido suicídio na própria cela, segundo o Exército.

Sempre fui um curioso pela trajetória de Vladimir Herzorg, por isso li recentemente dois trabalhos sobre o tema: Meu querido Vlado: A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração do jornalista Paulo Markun e As duas guerras de Vlado Herzog, do também jornalista Audálio Dantas. E fiquei surpreso ao descobrir que ele foi a Canudos e que almejava gravar um filme-documentário sobre o tema. Segundo Paulo Markun no referido livro: “Vlado estava no sertão da Bahia em busca de cenários e sobreviventes da Guerra de Canudos, enquanto Marco Antônio Coelho enfrentava os interrogatórios. No açude Cocorobó, conversou com alguns remanescentes da epopeia, entre eles, a beata Lucinda, que aos 102 anos ainda tinha boa memória, como pré-produção de um Globo Repórter”.

Por sua vez, Audálio Dantas, destaca em sua obra que Vlado: “Percorreu as veredas que foram encharcadas de sangue durante os combates entre as Forças do Exército e os seguidores de Antônio Conselheiro, no fim do século XIX. Entrevistou gente do povo e descendentes de vítimas da guerra, que então viviam às margens do açude que sepulta sob as águas grande parte do cenário da tragédia. Entre os entrevistados, Vlado encontrou uma sobrevivente da guerra, Guilhermina, uma velhinha de 102 anos, que ainda guardava na lembrança as cenas do horror que presenciara. Voltou com roteiro definido, mas ainda não tinha condições de fazer o filme”.

Ao ler essas informações, como disse, fiquei tomado por curiosidade e pesquisando no site do Instituto Vladimir Herzog (www.vladimirherzog.org/) descobri que é possível visitar a exposição virtual “Viagem a Canudos”, que “traz um recorte das 206 fotografias tiradas pelo jornalista em pesquisa de campo na cidade de Canudos, Bahia, onde pretendia realizar um documentário no início dos anos 1970, retomando a história de Antônio Conselheiro. O projeto, que reforça o comprometimento de Herzog com questões de cunho social e a cultura brasileira, foi interrompido por seu assassinato por agentes da ditadura militar, em 25 de outubro de 1975.”

É possível também acessar no site o roteiro do filme-documentário sobre Antônio Conselheiro e Canudos, no qual Vlado escreveu: “A memória da guerra resume-se hoje numa cruz de madeira chamada Cruz do Conselheiro, tirada de Canudos pouco antes da inundação do açude, elevada para o meio do mato, na periferia de Nova Canudos. Os engenheiros do DNOCS sabem pouco ou nada sobre a guerra de 1897, tendo ouvido o que sabem dos papos com o povo da região. Este tem uma memória confusa e, às vezes nula dos acontecimentos, sem um juízo de valor definido sobre a guerra ou os seus personagens. E há ainda, vivos, alguns contemporâneos do Conselheiro. Hoje, com mais de 90 – e alguns mais de 100 anos – misturaram (nos depoimentos gravados) memórias preciosas com depoimentos delirantes. Os homens variam entre os que reconhecem no Conselheiro um líder carismático e os que concordam ter sido ele “um loco”, bem no figurino de muitas versões oficiais. Entre as mulheres, pelo menos uma opinião unânime: “era bonito, muito bonito”.

A pesquisadora Walnice Nogueira Galvão, no prefácio do livro do professor José Calasans, Cartografia de Canudos, em sua 2º edição, narra o seguinte caso: “Um dia, Vlado Herzorg me procurou em casa, em São Paulo, porque estava interessado em fazer um filme sobre a Guerra de Canudos e disposto a ir até lá. Ao tomar conhecimento que as ruínas do arraial jaziam sob toneladas de água, aventou a hipótese de mergulhar de escafandro e filmar o que desse. Encaminhei-o a Calasans. Tempos depois de sua morte, Calasans me disse que achava o projeto factível. Mas como só tinha encontrado Vlado uma vez, demorara a ligar o terrível evento à pessoa, e ficara muito abalado”.

Por fim, é impossível não lembrar que o jornalista Vladimir Herzorg, e o Beato Antônio Conselheiro e seus seguidores, em momentos históricos distintos, foram vítimas e mártires da recorrente violência do estado brasileiro contra os que se insurgem em defesa do povo.  

 

 


Um comentário:

  1. Concordo plenamente com o arrazoado acima a respeito de Vladimir. Não havia necessidade de tanta brutalidade. Ninguém pode tirar a vida de ninguém. Um ponto que está na Bíblia que orienta tal tema. Afinal, se alguém erra ou errou; a lei vai punir ou não. Por isso é que o melhor reinado é da democracia, pois tudo baseado na lei, podendo-se defender a contento. Foram + de 20 anos nessa atmosfera cruenta para muita gente. Enfim, o tempo passou e agora podemos viver dentro da lei que protege a todos. Paz e bem!

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