sábado, 29 de junho de 2024

Queria que soubesse que pensei em você

 
Acervo Quixeramobim Histórico

Toda vez que tenho em mãos uma fotografia de tempos distantes e a contemplo, vem-me um aperto no peito, algo semelhante a uma aflição. Ainda não sei definir muito bem que sensação é essa, se boa ou ruim. O que é a mistura entre o prazer e a angústia? Talvez seja isso, e então não precise definir.
 
Ao olhar a pessoa desconhecida naquela foto, de imediato, irrompe em minha mente um turbilhão de pensamentos sobre aquela vida que já não existe mais. Tudo ao mesmo tempo, como se fossem filmes simultâneos e em alta velocidade. São instantes de segundos. Preciso dizer que no pensamento o tempo é relativo.
 
Começo imaginando o que se passava no mundo quando ela surgiu. Havia guerra? Não, na verdade, imagino antes disso. Como os pais dela se conheceram? Será que, quando criança, ela também perdeu uma sandália tentando derrubar tamarindos? Acho que não, naquele tempo a cidade era vila, e as árvores ainda eram novas e baixas. Na escola, ela deveria ter sido uma boa aluna, tem cara de gente inteligente. Penso na expectativa do primeiro encontro. Sentiu o frio na barriga ou teve o rubor no rosto? Passa rápido a imagem do seu casamento. Deve ter se realizado na igreja Matriz com o mesmo padre que a batizou.
 
Sempre imagino vidas felizes quando olho essas fotos. Talvez porque as pessoas sempre estão sorrindo quando fazem pose. Então, nunca consigo pensar que aquela pessoa teve uma vida melancólica, e se teve, não quero saber, prefiro ficar com as alegrias.
 
Penso nos filhos. Quantos teve? Depois, imagino uma vida cheia de desafios superados, decerto. Acho que ela viajava nas férias e gostava de conhecer alguns cafés. A fotografia é em preto e branco, mas tenho certeza de que o vestido é colorido. Consigo imaginar as reuniões de família, os brindes e gargalhadas à mesa.
 
Uma vida completa transcorreu para mim, então penso na minha vida. Início, meio e fim. Vida toda de segundos. Vejo sua morte. Qual terá sido seu último pensamento? Qual é o último pensamento que temos? Será que ainda existe algum objeto que pertenceu a ela? Se eu pudesse encontrar, o guardaria. Possuir algo que tenha tido significado para alguém é ser dono de um tesouro.
 
Ela sorri mais do que a amiga que aparece segurando sua mão na foto. Acho que estavam indo para alguma festa. E os netos, onde estão hoje? Se bem que já devem ser tataranetos. Posso até ter encontrado com algum deles por aí, quem sabe. Penso no enterro. Morreu velhinha. Tenho certeza de que tinha muita gente chorando sua partida. O coveiro joga a última pá de terra. Espera, ainda não é o fim. Agora, o coveiro veda a sepultura com o último lance de cimento e as pessoas começam a se virar de costas. Sim, é o fim.
 
Como que despertando, encaro agora o pedaço de papel em minhas mãos, e não é mais um filme mental frenético. Foi intenso. Alguém ainda deposita flores em seu túmulo? Resta a curiosidade de conhecer mais sobre aquela vida. Após breves pesquisas, descubro que ela morreu em 1921. Já faz tanto tempo. Alguém ainda pensa nela? Queria que ela soubesse que eu pensei.
 
Por Eduardo Coutinho
Quixeramobim Histórico

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