sexta-feira, 7 de julho de 2023

Redes Artificiais


Outro dia, eu teria um encontro com uma conhecida. Na ocasião, participaríamos de um debate sobre determinada obra. Eu a aguardava, pois meu intento era saber sua opinião a respeito daquele livro. Meia hora antes, ela compartilhara no Instagram que a leitura fora “concluída com sucesso” e o quanto estava impactada pelo que leu. Minha expectativa só aumentava. Mais tarde, ao encontrarmo-nos, pergunto sobre suas impressões a respeito da leitura, ao que ela responde:

- Nem peguei no livro, acredita? Minha semana foi tão corrida...

A expressão que fiz naquele momento não poderia ser outra: arregalei os olhos, surpresa, e a respondi só em pensamento.

 
***

 
Em outra situação, um amigo posta nas redes sociais o quanto está aproveitando sua longa viagem a um desses lugares caros e badalados, para onde vão as celebridades. Havíamos nos encontrado na noite anterior, quando ele me contara sobre sua estadia de duas noites e três dias nesse destino, tendo retornado há mais de duas semanas.

 
***

 
Uma comerciante da cidade revela que está investindo no segmento de “mesa posta”. Exclamei!!! Segundo ela, está na moda preparar refeições para fotografar e publicar nas redes.

 
***
 

Uma conhecida do ambiente virtual que lê, escreve, toca e fotografa, todas essas atividades com especial esmero, compartilha uma ou outra inspiração com a mesma frequência que presenciamos um cometa rasgar o céu. Não lembro a última vez que vi um cometa. Numa rara postagem, ela relata sua total falta de afinidade com redes sociais. Penso:

- Que desperdício!

 
***

 
As quatro histórias contadas andam reforçando meu caráter cada vez mais reservado, fazendo-me distante dessas, que chamam de redes sociais. Não quero ser ranzinza, tampouco careta. De caretice já basta a do mundo, que ficou um tanto pior depois que as cortinas se fecharam pela última vez para o dramaturgo Zé Celso Martinez, essa semana. Mas esse não é o assunto de agora. O que quero dizer é da dificuldade para engolir essa conversa de que as redes são mesmo sociais. Tenho para mim que elas, as redes, estão mais para artificiais. Já há quem as chame de quarto poder da democracia, dado seu alto poder de moldar comportamentos. Casais que sentam à mesa e nem se olham, distraídos pelo celular; pessoas que viajam e esquecem de curtir a paisagem, preocupadas em publicar selfies de cinco em cinco minutos; gente que papeia por horas pelo aplicativo de mensagens, mas desvia o olhar quando se encontra na rua; e os influenciadores são um caso à parte: muito influenciador para pouca influência. Sem falar nas expressões da moda: “porque eu sou dessas”; “o queridinho”; “quem me conhece sabe”; “é sexta-feira que chama?”, “é sobre isso”.

A vida anônima tem se revelado muito mais profícua. Imagina, que loucura comer segurando só o talher e não o celular! Fazer as melhores declarações de amor apenas para quem vai recebe-las. Nem suspeitar qual foi a última polêmica em que aquele jogador de futebol se envolveu. Curtir um passeio sem precisar alardear para os quatro cantos. Encontrar bons amigos e conversar olhando nos olhos, sem verificar o celular compulsivamente... além do que, a internet está repleta de disputas mesquinhas, mendigos de curtidas, gente doida por aplauso, mas que não sabe aplaudir.  

 
Gabrielly Frutuoso é comunicadora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário