Foi durante as visitações a esses locais que percebi que eu mantinha uma percepção diferente deles. Notei que o mais comum entre as pessoas era comentar sobre os objetos de decoração dispostos pelos cômodos, apontar para os belos quadros pendurados nas paredes, ou perceber a riqueza de um banheiro bem ornamentado com lajotas coloridas. Por outro lado, a minha primeira atenção não era captada por móveis ou decoração, mas eram os retratos das pessoas que viveram ali o que mais atraía o meu olhar.
Agora na segunda casa, o guia nos leva até a sala principal, cercada de grandes vidraças que permitiam ver tudo o que havia do lado de fora, e busca uma foto em preto e branco guardada num quarto ao lado para nos mostrar dizendo: “essa sala cercada de vidros foi um lugar de muitos encontros especiais do casal Bardi. Reuniões empolgadas e festas animadas aconteceram aqui”. Então eu comecei a imaginar os artistas e intelectuais que passaram ali, riram e se divertiram naquele exato lugar onde eu estava. O ambiente, preservado exatamente como o casal deixou, saltava aos olhos. Em minha mente eu escutei os brindes, as gargalhadas, os gritos dos encontros. No escritório ao lado, imaginei Lina Bo Bardi debruçada sobre a mesa desenhando um croqui de uma casa moderna para a época. Revivi aquelas pessoas.
A última casa visitada foi a do poeta Guilherme de Almeida. Mais escura, tinha cheiro de madeira antiga, com livros, esculturas e pinturas espalhados por todos os cômodos. A mansarda, uma espécie de sótão que era o escritório do poeta, foi o lugar que mais me encantou. Naquele último lugar da casa havia mais livros, objetos de coleção, uma escrivaninha no centro e um telescópio ao lado de uma janela com uma bela vista para São Paulo. Pude reconhecer o escritor na caracterização daquele lugar, ele estava completo ali. Na parede da escada que dava acesso àquele cômodo, pendia um poema emoldurado no qual Guilherme descreve o seu lugar favorito: “um desprendimento do rasteiro, numa ânsia de quietude, isolamento e sonho, para o pleno ingresso nos meus Paraísos Interiores”. Ali dentro, li, senti e imaginei o autor, escrevendo, produzindo. O próprio lugar ainda sobrevivia.
Depois do “turismo de moradas”, um sentimento me confundia e incomodava. Tentei compreendê-lo. Passei por três casas diferentes, três histórias distintas, magníficas e de causar inveja. Aquelas pessoas viveram intensamente, cada uma à sua maneira, mas todas elas findaram, não existem mais, e mesmo assim eu as sentia presentes, como se eu pudesse tocar a campainha de cada uma daquelas residências e ser recebido pela Ema, querendo mostrar um quadro novo recém comprado; pela Lina, empolgada com seu novo projeto arquitetônico; ou pelo Guilherme, feliz com a conclusão do seu último poema. Melancólico, me dou conta de que isso não é mais possível. Entendo o sentimento e, agora mais animado, compreendo que a morte não foi um fim para a existência daquelas pessoas, pois deixaram um legado de belos feitos e inúmeras memórias. Foram vidas que já passaram, mas tornaram-se histórias que continuam.
No final dessas férias restou a certeza de que, em minhas viagens, além de museus e bibliotecas, agora tenho que conhecer casas. Foi uma experiência intensa que me fez refletir sobre o sentido do viver e que deixou uma pergunta ressoando com frequência em meus pensamentos: “será que estou vivendo da melhor maneira que posso?”. Bem, se não estou vivendo da melhor maneira, sei que estou sempre tentando e talvez a vida seja isso, a busca por sempre viver melhor, para que um dia, com sorte, alguém olhe para a minha história e diga: como ele viveu bem!
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