quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Casas

Casa de Vidro - de Lina Bo Bardi

Por Eduardo Coutinho

No começo do mês de novembro tirei alguns dias de férias e é certo que, em minhas viagens, sempre estarão incluídas visitas a museus, bibliotecas ou centros culturais. Tudo o que envolve arte me atrai e uma rota que não passa por esses lugares não faz sentido para mim. Mas dessa última vez resolvi fazer um itinerário um pouco diferente. Decidi conhecer algumas casas, que, depois da morte de seus moradores, abriram suas portas para o conhecimento público.

Foi durante as visitações a esses locais que percebi que eu mantinha uma percepção diferente deles. Notei que o mais comum entre as pessoas era comentar sobre os objetos de decoração dispostos pelos cômodos, apontar para os belos quadros pendurados nas paredes, ou perceber a riqueza de um banheiro bem ornamentado com lajotas coloridas. Por outro lado, a minha primeira atenção não era captada por móveis ou decoração, mas eram os retratos das pessoas que viveram ali o que mais atraía o meu olhar.

Na primeira casa, a guia da exposição viu que eu olhava detidamente para um retrato em preto e branco de uma mulher que estava posto sobre um aparador, então ela me contou, “essa é a Ema Klabin ainda nova. Sabia que ela deu cinco voltas ao mundo?”. Aquela informação me impressionou. O quão espetacular deve ter sido a vida da Ema, colecionadora de obras raras, conhecendo lugares fantásticos pelo mundo à procura de uma arte especial. Uma vida de privilégios sem dúvidas. Depois de andar pelos cômodos, mais pensando nas aventuras da Ema do que reparando nas paredes, percebi a minha desconexão em relação à compreensão daquela realidade pelos outros visitantes. Dei-me conta de que a vida me interessava mais.

Agora na segunda casa, o guia nos leva até a sala principal, cercada de grandes vidraças que permitiam ver tudo o que havia do lado de fora, e busca uma foto em preto e branco guardada num quarto ao lado para nos mostrar dizendo: “essa sala cercada de vidros foi um lugar de muitos encontros especiais do casal Bardi. Reuniões empolgadas e festas animadas aconteceram aqui”. Então eu comecei a imaginar os artistas e intelectuais que passaram ali, riram e se divertiram naquele exato lugar onde eu estava. O ambiente, preservado exatamente como o casal deixou, saltava aos olhos. Em minha mente eu escutei os brindes, as gargalhadas, os gritos dos encontros. No escritório ao lado, imaginei Lina Bo Bardi debruçada sobre a mesa desenhando um croqui de uma casa moderna para a época. Revivi aquelas pessoas.

A última casa visitada foi a do poeta Guilherme de Almeida. Mais escura, tinha cheiro de madeira antiga, com livros, esculturas e pinturas espalhados por todos os cômodos. A mansarda, uma espécie de sótão que era o escritório do poeta, foi o lugar que mais me encantou. Naquele último lugar da casa havia mais livros, objetos de coleção, uma escrivaninha no centro e um telescópio ao lado de uma janela com uma bela vista para São Paulo. Pude reconhecer o escritor na caracterização daquele lugar, ele estava completo ali. Na parede da escada que dava acesso àquele cômodo, pendia um poema emoldurado no qual Guilherme descreve o seu lugar favorito: “um desprendimento do rasteiro, numa ânsia de quietude, isolamento e sonho, para o pleno ingresso nos meus Paraísos Interiores”. Ali dentro, li, senti e imaginei o autor, escrevendo, produzindo. O próprio lugar ainda sobrevivia.

Depois do “turismo de moradas”, um sentimento me confundia e incomodava. Tentei compreendê-lo. Passei por três casas diferentes, três histórias distintas, magníficas e de causar inveja. Aquelas pessoas viveram intensamente, cada uma à sua maneira, mas todas elas findaram, não existem mais, e mesmo assim eu as sentia presentes, como se eu pudesse tocar a campainha de cada uma daquelas residências e ser recebido pela Ema, querendo mostrar um quadro novo recém comprado; pela Lina, empolgada com seu novo projeto arquitetônico; ou pelo Guilherme, feliz com a conclusão do seu último poema. Melancólico, me dou conta de que isso não é mais possível. Entendo o sentimento e, agora mais animado, compreendo que a morte não foi um fim para a existência daquelas pessoas, pois deixaram um legado de belos feitos e inúmeras memórias. Foram vidas que já passaram, mas tornaram-se histórias que continuam.

No final dessas férias restou a certeza de que, em minhas viagens, além de museus e bibliotecas, agora tenho que conhecer casas. Foi uma experiência intensa que me fez refletir sobre o sentido do viver e que deixou uma pergunta ressoando com frequência em meus pensamentos: “será que estou vivendo da melhor maneira que posso?”. Bem, se não estou vivendo da melhor maneira, sei que estou sempre tentando e talvez a vida seja isso, a busca por sempre viver melhor, para que um dia, com sorte, alguém olhe para a minha história e diga: como ele viveu bem! 

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